Por Marcelo Ruli –
Imagine um cenário onde disputas complexas, comerciais, familiares ou empresariais são solucionadas sem a necessidade de atravessar as portas de um tribunal. Onde tempo, dinheiro e desgaste emocional são poupados, e as partes saem do conflito não como adversárias, mas como colaboradoras na construção de um acordo. Parece utópico? Não é. Esse modelo é real, crescente e tem nome: advocacia colaborativa, um conceito que ganha cada vez mais espaço, inspirado nas práticas consolidadas dos Estados Unidos e de outros países.
A advocacia colaborativa nasceu nos Estados Unidos, no início da década de 1990, pelas mãos do advogado Stuart Webb, no estado de Minnesota. Cansado de presenciar os efeitos devastadores dos litígios, especialmente em casos de divórcios e disputas familiares, Webb tomou uma decisão ousada: comunicou formalmente a um juiz local que não atuaria mais em processos litigiosos. Seu compromisso seria trabalhar apenas na construção de acordos, de forma colaborativa, fora dos tribunais.
Dessa decisão pessoal, surgiu um movimento que se espalhou pelos Estados Unidos, Canadá, Europa e, mais recentemente, pelo Brasil, onde o modelo é representado e difundido pelo IBPC – Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas.
A advocacia colaborativa é muito mais que uma técnica de negociação. É uma filosofia, um pacto de atuação onde os escritórios de advocacia se comprometem, junto às partes, a resolver conflitos fora do Judiciário, de maneira ética, transparente e cooperativa.
Funciona assim: ambas as partes contratam advogados especializados no modelo colaborativo. Desde o início, todos firmam um compromisso formal de que não ingressarão com ações judiciais. Caso o acordo não seja possível, os advogados se comprometem a deixar o caso, e as partes deverão buscar novos representantes para, aí sim, recorrer ao Judiciário. Isso gera um forte estímulo para que todos se empenhem verdadeiramente na construção da solução.
Nos Estados Unidos, o conceito de independência jurídica é muito valorizado. Isso significa que cidadãos, empresas e instituições têm autonomia para gerir seus próprios conflitos, com menor intervenção do Estado. O Judiciário é visto como a última instância, um recurso extremo.
Por aqui, essa cultura ainda engatinha, mas ganha força. Afinal, os processos judiciais no Brasil são morosos, caros e frequentemente imprevisíveis. Adotar um modelo que privilegia o consenso é uma escolha que reforça a autonomia dos indivíduos e das empresas, além de aliviar o sistema de justiça, que já opera no limite.
Para ilustrar, vejamos um caso real (com nomes fictícios por questões de confidencialidade):
Duas empresas do setor de tecnologia, “InnovaTech” e “SoftSolution”, firmaram uma parceria para desenvolvimento de um software. Durante o projeto, divergências surgiram sobre propriedade intelectual e pagamentos. O contrato previa cláusulas que levavam, imediatamente, qualquer disputa ao Judiciário.
Porém, antes de judicializar, ambas as partes aceitaram a proposta de seus escritórios de advocacia para aplicar o modelo colaborativo. Em reuniões conduzidas por advogados especializados, com suporte de especialistas técnicos e até mediadores, foram discutidos todos os pontos de tensão.
O resultado? Em 60 dias, as empresas chegaram a um acordo que redistribuiu percentuais de propriedade intelectual, reorganizou os pagamentos e estabeleceu cláusulas futuras de prevenção de conflitos. O software foi finalizado, comercializado com sucesso e, o mais importante, a relação entre as empresas foi preservada, com foco no que realmente importava: o desenvolvimento do software, e não a disputa. Além disso, se o conflito tivesse seguido para o Judiciário, as empresas certamente perderiam o timing de mercado, tornando o software obsoleto diante da velocidade com que as inovações tecnológicas evoluem.
Se esse caso tivesse sido judicializado, provavelmente se arrastaria por anos, com custos muito superiores e o desgaste de uma relação profissional irreparável.
Os escritórios de advocacia devem apostar nesse modelo porque ele valoriza a advocacia preventiva, permitindo que o advogado deixe de ser visto apenas como solucionador de problemas e passe a atuar como parceiro estratégico dos clientes. Além disso, proporciona menos desgaste para as partes envolvidas, já que tempo, dinheiro e saúde emocional são preservados ao evitar longos e exaustivos processos judiciais.
Outro fator relevante é a reputação e o diferencial competitivo que esse modelo oferece, pois os escritórios que dominam as práticas colaborativas são cada vez mais valorizados no mercado atual. Soma-se a isso a agilidade, uma vez que os conflitos são resolvidos em semanas ou poucos meses, ao contrário dos anos que normalmente um processo demanda. E, talvez o mais significativo, é a preservação das relações — sejam empresariais, familiares ou contratuais —, já que o modelo colaborativo protege vínculos que poderiam ser destruídos por um processo litigioso.
A advocacia colaborativa não substitui completamente o Judiciário — e nem é essa a proposta. Mas ela oferece um caminho inteligente, humano e eficiente para muitos dos conflitos que, infelizmente, ainda lotam os tribunais. Trata-se de uma nova cultura jurídica.
Adotar essa prática é, mais do que uma tendência, uma evolução. É uma advocacia que assume seu papel de protagonista na pacificação social e no fortalecimento da independência jurídica, onde as soluções não são impostas, mas construídas.
Como visionou Stuart Webb há mais de três décadas, é possível exercer a advocacia de forma construtiva, não destrutiva. E esse futuro já começou.

Dr. Marcelo Ruli
Advogado desde 1995 – Advogado Sênior da Ruli Advocacia desde 2007 – Direito Empresarial – Holding (Planejamento Sucessório e Patrimonial), Direito de Família (Inventário-Partilha-Sucessão), Direito do Trabalho (Empresarial).
**Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação.

- O Movimento Advocacia Independente (MAI) é uma associação privada sediada em São Paulo, Brasil. Seu foco principal é a defesa de direitos sociais, atuando como uma organização voltada para a advocacia e questões jurídicas.
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